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Quem mandou matar Marielle, e por quê? Veja os novos detalhes revelados pela investigação da PF

Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa foram presos neste domingo (24). Inquérito foi concluído seis anos após o assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes
Marielle Franco - Foto: Ellis Rua/AP
Marielle Franco - Foto: Ellis Rua/AP

Os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão foram presos neste domingo (24) suspeitos de mandar matar a vereadora Marielle Franco. O delegado Rivaldo Barbosa também foi preso. De acordo com a Polícia Federal, ele ajudou a planejar o crime e atrapalhou as investigações porque havia prometido impunidade aos mandantes.

No atentado, em março de 2018, também morreu o motorista Anderson Gomes.

Os irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa foram presos após a homologação da delação de Ronnie Lessa, que também está preso e é acusado de executar o crime. A ordem de prisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, responsável pela investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), com a concordância da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Os suspeitos foram presos no Rio de Janeiro e levados a Brasília. Dois deles serão transferidos a presídios federais em outros estados. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que a elucidação do caso é uma "vitória do Estado brasileiro". Para ele, pode-se dizer que os trabalhos estão encerrados.

Veja, abaixo, o que se sabe e os novos detalhes revelados pela PF.

Quando e como foi o crime?

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram mortos na noite de 14 de março de 2018, no Centro do Rio de Janeiro.

O carro em que viajavam foi seguido desde a Lapa, onde Marielle participou de um debate. Em uma esquina no bairro do Estácio, um Cobalt prata emparelhou com o veículo dirigido por Anderson, e do banco de trás partiram vários disparos. Marielle e Anderson morreram na hora.

A assessora Fernanda Chaves, que estava ao lado da vereadora, escapou com vida.

Quem matou Marielle e Anderson?

Segundo as investigações, o crime foi executado pelos ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.

Ronnie Lessa é apontado como o autor dos 13 disparos que mataram Marielle e Anderson.

Élcio de Queiroz dirigiu o Cobalt na noite do crime.

A dupla foi presa no dia 12 de março de 2019, quase um ano depois do crime.

Quem mandou matar Marielle?

A PF aponta os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão como mandantes. Segundo o inquérito, o delegado Rivaldo Barbosa ajudou a planejar o crime e atrapalhar as investigações.

Domingos Brazão: começou a carreira na política do Rio de Janeiro antes do irmão, Chiquinho. Foi vereador, deputado estadual e, atualmente, é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Já se envolveu com polêmicas, suspeitas de corrupção, ligação com quadrilhas e com a milícia, além de um assassinato.

Chiquinho Brazão: eleito vereador pela primeira vez em 2004, ficou na Câmara Municipal do Rio por 14 anos. Em 2019, renunciou ao cargo para assumir como deputado federal. Na Câmara, conviveu com Marielle.

Rivaldo Barbosa: era chefe da Polícia Civil do RJ à época do atentado (foi nomeado um dia antes). Antes disso, comandou a Divisão de Homicídios. Atualmente, é coordenador de Comunicações e Operações Policiais da instituição.

Veja mais detalhes sobre a trajetória do trio.

Quantas pessoas foram presas pelo crime?

Até a última atualização desta reportagem, sete homens haviam sido presos acusados de participação no crime. Veja quem são e quando foram presos:

Ronnie Lessa, apontado como o autor dos disparos (2019);

Élcio de Queiroz, que confessou ter dirigido o carro que perseguiu o de Marielle (2019);

Maxwell Simões Corrêa, o "Suel", primeiro por atrapalhar as investigações (2020), e depois por ajudar a sumir com arma do crime (2023);

Edilson Barbosa dos Santos, o "Orelha", apontado como dono de um ferro-velho que colaborou com o desmanche do carro usado no crime (2024);

Domingos Brazão, apontado como mandante (2024);

Chiquinho Brazão, também investigado como mandante (2024);

Rivaldo Barbosa, suspeito de planejar o crime e atrapalhar as investigações (2024).

Por que Marielle foi morta?

Na investigação, a PF aponta como possíveis motivações para o crime divergências políticas entre o clã Brazão e Marielle, e também a atuação da vereadora contra grilagem de terras em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio. Leia aqui mais detalhes.

Os irmãos Brazão são políticos de longa trajetória no RJ, com influência em Jacarepaguá, região de milícia.

O relatório dos investigadores afirma que o delator Ronnie Lessa apontou "como motivo [do crime] o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os interesses dos irmãos, em especial, sua atuação junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde se concentra relevante parcela da base eleitoral da família Brazão".

Um projeto de lei aprovado em 2017 na Câmara Municipal do Rio para regularizar ocupações clandestinas foi apontado por Lessa como possível "estopim". Marielle votou contra esse projeto, e segundo relatos de testemunhas Chiquinho Frazão ficou furioso com isso. O projeto chegou a virar lei, mas foi anulado pela Justiça depois.

Segundo a PF, testemunhas ouvidas foram "enfáticas" ao apontar que a atuação da vereadora prejudicava os interesses dos irmãos Brazão.

Por que o crime demorou tanto a ser esclarecido?

Além de apontar os supostos mandantes, o relatório da PF mostra o jogo de forças que atrapalhou as investigações nos últimos seis anos. Provas nunca apareceram e até uma falsa testemunha foi plantada. Em 2018, o RJ estava sob intervenção federal, chefiada pelo general Braga Netto, que foi quem assinou a nomeação de Rivaldo Barbosa.

Imagens de câmeras que poderiam ajudar a elucidar o crime nunca apareceram. No início das investigações, uma testemunha chegou a acusar o miliciano Orlando Curicica e ex-vereador Marcello Siciliano. Isso depois foi descartado.

O Ministério Público do RJ mudou a equipe encarregada quatro vezes. Duas promotoras deixaram o caso alegando interferência externa. Na Polícia Civil, foram cinco trocas de delegados.

Em 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a federalização do caso e denunciou Domingos Brazão por obstrução de Justiça. Segundo a denúncia, ele teria plantado uma testemunha falsa para acusar Curicica e Siciliano e desviar o foco. A Justiça rejeitou a federalização e a denúncia.

A PF entrou no caso em 2023, e agora as respostas e falhas na investigação vêm à tona. De lá para cá, uma reconstituição das investigações foi realizada pela nova equipe e os primeiros presos no caso, em 2019, celebraram acordos de delação. As revelações foram corroboradas pelas investigações.

No ano passado, Élcio de Queiroz admitiu ter dirigido o Cobalt e deu detalhes de como Ronnie Lessa matou Marielle e Anderson. Encurralado, Lessa também fechou acordo e incriminou os Brazão.

Segundo o inquérito, Rivaldo ajudou a planejar o crime. A polícia concluiu também que, durante o tempo em que chefiou a polícia, o delegado buscava "desviar o foco da investigação daqueles que são os verdadeiros mandantes".

O relatório final da PF apontou que Rivaldo "mantém relações ilícitas com os principais milicianos e contraventores do Estado do Rio de Janeiro", e que diversos homicídios relacionados a essas quadrilhas não foram investigados pela Delegacia de Homicídios da Capital, entre 2016 e 2021.

Durante cinco anos, a investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson ficou centralizada na polícia do RJ, que nunca apontou quem encomendou as mortes. O delegado Giniton Lages, primeiro encarregado do caso e escolhido por Rivaldo, também é investigado e foi alvo de buscas neste domingo.

Lages e o comissário Marco Antônio de Barros Pinto, que também atuava na Delegacia de Homicídios do Rio na época do crime, foram afastados de suas funções por ordem do STF.

Como o atentado foi encomendado?

Segundo a PF, o planejamento do atentado começou no segundo semestre de 2017. Para que o crime desse certo, os irmãos contrataram dois serviços:

o assassinato, praticado pelo ex-policial militar Ronnie Lessa;

e a "garantia de impunidade", uma promessa de Rivaldo Barbosa.

Segundo a delação de Ronnie Lessa, o responsável por intermediar o contato entre ele e os Brazão foi o policial militar Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé. Amigo de Lessa, ele atuava na área de milícia dos irmãos Brazão e foi quem apresentou a proposta de matar a vereadora.

Lessa relatou que, na primeira reunião sobre a empreitada criminosa, Domingos Brazão afirmou que os irmãos haviam infiltrado um miliciano no PSOL para monitorar a vereadora. Esse miliciano, Laerte da Silva de Lima, teria levantado que a vereadora pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia.

O que Lessa ganharia em troca? Conforme o inquérito, os irmãos ofereceram um loteamento e o comando de grupos paramilitares como pagamento pelo assassinato. A região do empreendimento imobiliário fica localizada na Zona Oeste do Rio – mais uma vez, reduto de controle dos irmãos Brazão e de grupos milicianos.

Por fim, Brazão deixou clara a exigência de que Marielle não fosse executada no trajeto de deslocamento para a Câmara dos Vereadores. Essa exigência partiu, segundo a investigação, do delegado Rivaldo Barbosa.

De acordo com a PF, o objetivo era afastar autoridades federais, que poderiam entrar no caso se houvesse indícios de motivação política. Com a investigação restrita ao RJ, Barbosa teria controle sobre ela. Essa era, segundo a investigação, a "garantia de impunidade".

A PF afirma também que a investigação revelou um esquema estrutural de corrupção na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, sob a gestão de Rivaldo Barbosa, que mantinha acordos com os grandes contraventores da cidade para encobrir a autoria e motivação de crimes violentos ligados à exploração de jogos ilegais.

Como o crime foi planejado?

Ronnie Lessa disse que passou a monitorar Marielle, mas que encontrava dificuldades. Chegou, inclusive, a pedir aos Brazão que a exigência de execução no trajeto para a Câmara dos Vereadores fosse derrubada para facilitar o serviço.

Suel deveria, supostamente, ser o motorista do atentado, mas não cumpriu o combinado com Lessa em uma das oportunidades vistas pelo atirador no início de 2018. Por isso entrou em Élcio de Queiroz.

Um informante de Lessa, então, apontou que a vereadora estaria presente no evento do dia 14 de março. O atirador acionou Queiroz e ambos partiram para a emboscada.

Onde estão o Cobalt e a arma do crime?

Nunca foram achados. O carro usado para perseguir Marielle teria sido desmanchado. Segundo a delação premiada de Élcio de Queiroz, Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha, foi acionado pelo ex-bombeiro Suel para se livrar do veículo.

Orelha tinha uma agência de automóveis e foi dono de um ferro-velho. Assim, ele tinha contato com pessoas que possuem peças de carros. Élcio contou aos investigadores que depois desse encontro ficou sabendo por meio do Suel de que o carro usado no crime foi para o "Morro da Pedreira", onde havia um desmanche de carro.

Já a arma do crime, uma submetralhadora HK MP5 conseguida por Macalé, tem destino incerto. Segundo a delação de Ronnie Lessa, os irmãos Brazão exigiram a devolução da arma utilizada no crime.

“Orelha”, suspeito acusado de desaparecer com Cobalt usado para matar Marielle e Anderson, vai passar por audiência de Custódia

Quem mais foi alvo da operação desse domingo?

Além dos três presos, outras quatro pessoas foram alvo da PF, cumprindo determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

São eles:

Érika Andrade de Almeida Araújo, mulher de Rivaldo Barbosa;

Giniton Lages, delegado;

Marco Antonio de Barros Pinto, o Marquinho DH, comissário;

Robson Calixto Fonseca, o Peixe, assessor de Domingos.

O que acontece agora?

As prisões dos irmãos Brazão e de Rivaldo Barbosa são preventivas. Não há, portanto, um prazo para soltura.

Mas Chiquinho Brazão é deputado federal. A Câmara dos Deputados deve ser chamada a decidir, ainda nesta semana, se mantém ou revoga sua prisão preventiva. Ele tem foro privilegiado, e sua prisão passa pelo seguinte rito.

o Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou as prisões, envia um comunicado à Câmara dos Deputados em até 24 horas;

o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), define uma data para levar o tema ao plenário;

todos os deputados votam, e a votação é aberta e nominal – ou seja, sem sigilo de como se posicionou cada parlamentar;

a prisão só é revogada se houver 257 votos nesse sentido, a chamada "maioria absoluta";

o resultado é comunicado ao STF, que toma eventuais medidas necessárias para cumprir a decisão.

Segundo a assessoria de Arthur Lira, a data da sessão em plenário ainda será marcada.

O que dizem os investigados?

A defesa de Domingos Brazão afirmou que ele é inocente e divulgou a seguinte nota:

"Domingos Brazão, que desde o primeiro momento sempre se colocou formalmente à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos que entendessem necessários, foi surpreendido neste domingo (24) pela determinação do Supremo Tribunal Federal. Em tal contexto, reforça a inexistência de qualquer motivação que possa lhe vincular ao caso e nega qualquer envolvimento com os personagens citados, ressaltando que delações não devem ser tratadas como verdade absoluta — especialmente quando se trata da palavra de criminosos que fizeram dos assassinatos seu meio de vida — e aguarda que os fatos sejam concretamente esclarecidos."

A defesa de Chiquinho Brazão não havia se posicionado até a última atualização desta reportagem.

O advogado de Rivaldo Barbosa, Alexandre Dumans, disse que seu cliente não obstruiu as investigações. "Ao contrário. Foi exatamente durante a administração dele que o Ronnie Lessa foi preso", afirmou o advogado.

A defesa de Giniton Lages enviou a nota abaixo:

"Durante o tempo em que presidi o Inquérito Policial que apurou as mortes da vereadora Marielle e do motorista Anderson, realizei todas as diligências necessárias à elucidação do caso.

De março de 2018 até março de 2019, foram produzidas: 5.700 páginas, distribuídas por 29 volumes; 230 testemunhas/investigados foram ouvidas; 33.329 linhas telefônicas foram analisadas, através de quebra de sigilo judicial; 318 linhas telefônicas foram objeto de interceptação telefônica, através de ordem judicial, além de várias operações realizadas e acompanhadas por mim e pela minha equipe.

O resultado desse trabalho foi a prisão dos executores, que está todo documentado nos autos do processo, e faz prova de toda a minha dedicação e profissionalismo. Ressalto que minha atuação sempre foi realizada de forma ativa junto ao Ministério Público e Poder Judiciário, cumprindo todos os protocolos de atuação de um delegado de polícia.

A partir da prisão, houve decisão conjunta das instituições de desmembrar a investigação para, na segunda fase, buscar os mandantes. E, friso, que em nenhum momento qualquer suspeito ou linha de investigação foi afastada. E jamais seria.

Nosso compromisso inegociável sempre foi resolver o caso em sua integridade o que só não foi possível porque fui tirado da investigação, no dia seguinte à realização das prisões."

A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos outros citados.

 

 

Fonte: G1

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